13/10/2014
'Próprio bandido é quem comanda batalhão
', revela policial militar no RJ
Canal Poeta
Um coronel, comandante da Polícia Militar, é
promovido. Mas fica poucas horas no cargo. Já no dia seguinte, ele estava
preso. E sabe por quê? Porque ele comandava um batalhão do crime. Recebia
propina do tráfico, cobrava resgate para soltar presos e vendia armas para
criminosos.
Na reportagem especial do Fantástico deste domingo
(12), os bastidores dessa investigação que levou para a cadeia 16 bandidos que
vestiam a farda da Polícia Militar do Rio de Janeiro. A reportagem é de Paulo
Renato Soares e Mahomed Saigg.
Quarta-feira, um dia inesquecível para o coronel
Dayzer Corpas. Ele foi escolhido pela PM para ser o subchefe do Comando de
Policiamento Especializado. Deixava de comandar um único batalhão, o da Ilha do
Governador, no Rio de Janeiro, para ser o responsável por outros seis quartéis.
Quinta-feira (9). Um dia que o coronel vai querer
esquecer. Não deu nem para comemorar a promoção. Às 6h de quinta-feira, ele foi
preso em casa, uma mansão com vista para a Baía de Guanabara. Dayzer Corpas se
despediu da mulher com um aceno e foi levado para o presídio.
O coronel ficou menos de 24 horas no cargo. A
prisão dele é a conclusão de uma investigação que durou sete meses. No dia 16
de março, policias comandados por Dayzer Corpas montam uma operação que é um
sucesso. Param um carro em uma das principais estradas do Rio de Janeiro, perto
do Aeroporto Internacional. Prendem três traficantes e recolhem um fuzil e 18
granadas. Isso é o que está no registro da ocorrência. Mas não é bem o que
mostra uma câmera de segurança que registrou toda a ação. Nas imagens dá para
contar o número de bandidos: são cinco, não três. As câmeras internas das
viaturas também revelam que havia mais armas do que eles apresentaram. Além das
granadas, eram quatro fuzis. Três ficam no banco de trás, o quarto com um dos
policiais.
Negociação
em dinheiro para soltar traficantes
Em uma imagem dá para ver os traficantes. O policial, numa tentativa de esconder crime, vira a câmera que deveria gravar o interior da viatura, mas ela ficou apenas de cabeça para baixo e continuou gravando. Dá para ver que dois criminosos estão no banco de trás.
Em uma imagem dá para ver os traficantes. O policial, numa tentativa de esconder crime, vira a câmera que deveria gravar o interior da viatura, mas ela ficou apenas de cabeça para baixo e continuou gravando. Dá para ver que dois criminosos estão no banco de trás.
O que aconteceu, então, com os dois traficantes e
as 3 armas que não chegaram à delegacia? A resposta está nas mensagens de texto
trocadas por comparsas dos criminosos naquela noite.
Traficante
1: Rodou 5, mas
conseguimos soltar 2, o Palermo e o Belo.
Traficante 2: Correto, irmão, foi de noite?
Traficante 1: 7 horas. Correto. Fui lá. Teve o desenrolo, irmão.
Traficante 2: Correto, irmão, foi de noite?
Traficante 1: 7 horas. Correto. Fui lá. Teve o desenrolo, irmão.
O desenrolo - na linguagem dos bandidos - foi uma
negociação em dinheiro para soltar os traficantes. Em vez de levar os cinco
criminosos para a delegacia, os policias sequestraram dois deles e cobraram R$
300 mil dos bandidos para libertá-los.
Foi o que descobriu a investigação conjunta da
Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança do Rio, do grupo do
Ministério Público que combate o crime organizado, o Gaeco, e da Promotoria de
Auditoria Militar. “Não há dúvida nenhuma sobre o pagamento. A informação que
nós temos, foi possível apurar no inquérito, é que esse dinheiro foi dividido
entre todos os policiais que participaram da ação. Segundo as informações: R$
40 mil teriam sido destinados para o comandante do batalhão e essa quantia foi
dividida em valores menores para os denunciados que participaram mais
diretamente do sequestro”, afirma Paulo Roberto Mello Cunha, promotor da
Auditoria Militar.
Esse não foi o único crime dos agentes que deveriam
fazer cumprir a lei. Nas escutas telefônicas - feitas com autorização da
Justiça –os policiais também negociam um preço para três fuzis voltarem às mãos
dos bandidos. O criminoso fala em nome do chefe do tráfico: Fernandinho
Guarabu, um dos mais antigos do Rio de Janeiro.
Traficante: Está querendo quanto em tudo?
Policial: 170.
Policial: 170.
São R$ 170 mil pelos três fuzis. O traficante
pechincha e ainda pede para parcelar.
Traficante: Tem como dar uma moral para ele agora, para ele
pagar em três vezes em tudo?
Policial: Três vezes em tudo?
Traficante: É, 150.
Policial: Pô, neguinho, não, não... E também não é com um cara aqui só, entendeu? É um monte de gente envolvida. Aí... 14 pessoas, mané.
Traficante: Pô, vê com os caras aí, que eu estou falando com ele aqui.
Policial: Tá. Já é. Daqui a pouco te passo um rádio, então.
Traficante: Já é.
Policial revela que comandante cobrava caro para não cumprir obrigações
Policial: Três vezes em tudo?
Traficante: É, 150.
Policial: Pô, neguinho, não, não... E também não é com um cara aqui só, entendeu? É um monte de gente envolvida. Aí... 14 pessoas, mané.
Traficante: Pô, vê com os caras aí, que eu estou falando com ele aqui.
Policial: Tá. Já é. Daqui a pouco te passo um rádio, então.
Traficante: Já é.
Policial revela que comandante cobrava caro para não cumprir obrigações
A investigação prova que a relação do batalhão com
o tráfico era ainda mais intensa. E que a principal mercadoria à venda era a
omissão. Sob o comando de Dayzer Corpas, policiais eram proibidos de reprimir a
venda de drogas, o transporte alternativo clandestino de vans e kombis e
mototaxistas ilegais.
“Havia um acordo entre o tráfico e o comando da
unidade. E esse acordo impedia que os policiais exercessem ali a repressão
contra o tráfico de drogas e as demais irregularidades lá na Ilha do
Governador. Existia sempre no próprio gabinete, na própria unidade, algumas
festas meio que comemorando a chegada desse dinheiro aí”, conta um policial.
O depoimento de um policial do batalhão envolvido
no esquema e que colaborou com as investigações revela que o comandante Dayzer
cobrava caro para não cumprir suas obrigações.
Na delação premiada, ele diz que: “O coronel Corpas
recebe aproximadamente de R$ 120 mil a R$ 150 mil, sendo que esta receita seria
exclusivamente e proveniente do tráfico de drogas do Morro do Dendê”.
“O próprio bandido é quem comanda o batalhão”, diz
o policial.
“Ele era chefe do esquema criminoso. Isso ficou bem
claro para a gente durante as investigações. Ele não só teve ciência, tinha
ciência do ocorrido, como também ele levava a parcela financeira dele,
indevida, pela ausência de repressão. Então isso está diretamente ligado a
ele”, conta Fábio Galvão, subsecretário de Inteligência da Secretária de
Segurança.
Segundo o depoimento do policial, a propina paga no
batalhão chegava também aos oficiais da alta cúpula da Polícia Militar. E, pelo
que ele contou, era na sede do Comando-Geral da PM, em dias e horas marcados,
que o dinheiro era entregue.
O policial diz que ouviu da boca de outros
policiais lotados no 17º Batalhão que o dinheiro da propina seria entregue
durante as reuniões que ocorrem nas segundas ou sextas-feiras, na parte da
manhã. Que não pode provar tal fato, mas que se trata de um comentário
generalizado.
“É a segunda vez, em menos de um mês, que há
denúncias de pagamento de propina, de remessa de quantias indevidas, para o
Estado-Maior da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Denúncias essas que merecem
ser investigadas”, afirma o promotor do Gaeco Alexander Araújo de Souza.
“Todos os fatos estão sendo apurados com todo o
rigor. É uma investigação que não é fácil, ela envolve muitas informações. E
que a gente tem que verificar tudo, sem correr o risco de errar”, diz Fábio
Galvão, subsecretário de Inteligência da Secretária de Segurança.
Na quinta-feira, além de Dayzer Corpas, outros 15
policias comandados por ele foram presos. A mensagem perto do gabinete usado
pelo coronel reflete o que acontecia no 17º Batalhão do Rio de Janeiro: “A
tropa é o espelho do comandante”.
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