20.06.16
EXEMPLO DE PROTEÇÃO E DESPERDÍCIO NA CÂMARA DE VEREADORES D RECIFE
SE A MODA PEGA EM PERNAMBUCO???
Os
legisladores da capital pernambucana recebem o benefício há uma década, sem
precisar prestar conta dos gastos
Por:
Sávio Gabriel
DP
O
benefício foi reajustado para o valor atual em 2008. Não há desconto nos
contracheques dos legisladores. Foto: Ricardo Fernandes/DP
O
que você faria se tivesse à disposição, todos os meses, R$ 3 mil para gastos
com alimentação, além do salário? A cifra é uma realidade para os vereadores do
Recife desde o ano de 2006. Enquanto a maior parte dos recifenses, assim como
os demais brasileiros, precisa readequar seu orçamento para garantir a feira do
mês, os legisladores da capital pernambucana desfrutam de uma situação
privilegiada, se consideramos a delicada situação da economia nacional.
Por
mês, cada um dos 39 vereadores recifenses tem direito a exatos R$
3.095,86, valor que não é descontado do contracheque de R$ 15 mil (valor
bruto) que cada um recebe - por mês, o benefício custa à Câmara R$ 120,7
mil e, por ano, R$ 1,4 milhão. Com essa quantia, os parlamentares podem
destinar o que acharem adequado entre as duas modalidades disponíveis:
refeição, para uso do legislador em restaurantes, e alimentação, na qual são
contabilizados gastos em supermercado para uso exclusivo no gabinete. Vale
salientar que cada gabinete pode ter, no máximo, 23 assessores.
É
aí onde está o principal problema. Os gastos com alimentação para os gabinetes
incluem comidas não preparadas, como açúcar, água, bolacha, café, entre outros.
Naturalmente, além de atender a equipe de cada vereador, os alimentos também
são destinados aos cidadãos que visitam as salas. No entanto, os vereadores que
recebem o benefício não precisam prestar contas dos gastos realizados.
Para
se ter uma ideia, caso o vereador divida igualmente o valor a que tem direito
entre as despesas com refeição e alimentação, seria possível gastar R$ 1.547,93
em cada modalidade. Com essa quantia, poderiam ser comprados 455 litros de
leite (veja quadro) para abastecer cada gabinete. Para consumir toda essa
quantidade, levando em consideração que o brasileiro ingere, em média, 350 ml
do produto por dia (estimativa feita pelo IBGE em 2011), seriam necessárias que
1.300 pessoas, entre funcionários e visitantes, tivessem transitado por cada
gabinete, todos os meses.
O
vereador Jayme Asfora (PMDB), que abriu mão do benefício desde que assumiu o
mandato, em 2013, não poupa críticas à forma como o valor é repassado. “É uma
maneira indireta de aumentar a remuneração, de ter uma complementação salarial,
e eu não acredito que isso seja transparente”. O vereador conta que os demais
parlamentares recebem o valor todos os meses, mas não precisam prestar conta
sobre os gastos. “Desde a época em que eu era presidente da OAB-PE, sempre
critiquei esse tipo de remuneração indireta. Então, não seria coerente da minha
parte receber esse benefício”.
COMBUSTÍVEL
O
peemedebista revela que os vereadores também não precisam prestar contas do auxílio-combustível,
que é de aproximadamente R$ 2 mil mensais. “Lá, você recebe o vale-alimentação
e vale-combustível e gasta aquele valor sem nenhuma ligação com função
indenizatória”.
A
reportagem do Diario entrou em contato com a Câmara do Recife para tirar
dúvidas a respeito do benefício. Por meio da assessoria de imprensa, a Casa de
José Mariano informa que auxílio-alimentação foi instituído a partir da lei
17.276/2006. “A medida estabelece que o benefício seja destinado a
subsidiar despesas com refeição e alimentação dos servidores e parlamentares
deste Poder Legislativo, quando no exercício de suas funções”, diz a nota
enviada. A Casa não esclareceu se o benefício é cumulativo de um mês para o
outro, caso o vereador não gaste toda a quantia.
Sobre
a forma como foi calculado, a Câmara informa que a quantia foi reajustada para
o valor atual em 2008, “obedecendo ao critério exposto de até um terço do
subsídio do parlamentar - à época, R$ 9.287,57”. Além de Jayme Asfora, não se
sabe se outros vereadores também abriram mão do benefício. A Casa ainda afirmou
que "todas as informações estão devidamente publicadas no Diário Oficial
do Município e constam no site da Câmara Municipal do Recife”, mas o Diario não
achou no Portal da Transparência os gastos referentes ao benefício. Procurado
pela reportagem, o presidente Vicente André Gomes (PSB) não foi localizado até
o fechamento desta edição.
A
VERBA
Auxílio
alimentação
R$
3.095,86
é
quanto os vereadores do Recife recebem pelo benefício
R$
353,78
é
o valor da cesta básica no Recife*. O auxílio é quase nove vezes maior
R$
880
é
o valor do salário-mínimo. O benefício pago aos legisladores recifenses é três
vezes e meia maior
R$
186
é
o preço médio de um tanque de gasolina no Recife**. O auxílio alimentação pago
é suficiente para encher mais de 16 tanques e meio
23
é
a quantidade de cargos comissionados a que cada vereador tem direito
Levando
em consideração que o vereador divida igualmente o benefício entre gastos com
refeição e alimentação (R$ 1.547,93), seria possível abastecer cada gabinete
com***:
84
pacotes de café de 300g
ou
539
quilos de açúcar
ou
455
litros de leite
ou
83
a 777 caixas de chá
ou
125
a 535 adoçantes de 100 ml
ou
443
a 819 pacotes de cream cracker (400g)
*dado
divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese) referente ao mês de maioe
**levando
em consideração um tanque de 50 litros (capacidade média) e o preço médio da
gasolina na capital pernambucana, que segundo a Agência Nacional do Petróleo é
de R$ 3,72
***
no caso do café, açúcar e leite, os valores de referência utilizados foram de
R$ 18,28/pacote, R$ 2,87/kg e R$ 3,40/l, respectivamente, conforme preço médio
divulgado pelo Dieese em maio. No caso dos outros itens, o valor foi levado em
consideração a partir de pesquisa de preço feita pela reportagem em um
supermercado do Recife na última quarta-feira. Para o cálculo, foram utilizados
os preços mínimos e máximos encontrados: R$ 1,99 a R$ 18,5 (caixa de chá); R$
2,89 a R$ 12,25 (adoçante); R$ 1,89 a R$ 3,49 (cream cracker)
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