Ministro Celso de Mello
Mensalão: decisão sobre
cassação de mandatos abre crise entre Poderes
Determinação deve ter efeito prático no
ano que vem, mas Câmara já avisou que não cumprirá decisão
· Celso de Mello desempata a questão e STF determina
a cassação automática do mandato de três deputados
O Supremo Tribunal Federal (STF)
confirmou nesta segunda-feira a cassação dos mandatos dos deputados federais
Valdemar Costa Neto (PR-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT),
condenados à prisão no julgamento do mensalão . A medida abre uma
crise institucional entre o STF e a Câmara Federal já que a Casa alega que a
prerrogativa de cassação de mandato não é da Justiça, e sim do Poder
Legislativo. Após a decisão, o presidente da Corte, Joaquim Barbosa,
declarou o fim do julgamento após mais de quatro meses.
A liderança da Câmara já avisou que
pretende não cumprir a decisão do STF, mas o ministro Celso de Mello alertou na
sessão de hoje que, se essa medida for adotada, os responsáveis estão passíveis
de crimes de ato de improbidade administrativa ou prevaricação, passíveis de
prisão e até suspensão de direitos políticos. A fala do ministro soou como um
recado a Marco Maia, presidente da Câmara,segundo quem a prerrogativa de cassar
mandatos é exclusividade do Poder Legislativo.
A decisão do Supremo, no entanto,
somente terá efeito prático no segundo semestre do ano que vem, no mínimo. Isso
porque, apesar de ter determinado a cassação de mandato destes deputados
federais, os efeitos somente valerão após esgotadas todas as possibilidades de
recursos (trânsito em julgado da sentença). No caso da cassação de mandato,
existe a possibilidade de pelo menos dois recursos: embargos de declaração e
embargos infringentes. Ministros ouvidos pelo iG afirmam que qualquer execução de sentença do julgamento do
mensalão somente deve ocorrer entre o segundo semestre de 2013 e início de
2014.
O primeiro visa discutir alguns
detalhes que possam eventualmente ser considerados “obscuros” pelos advogados.
O segundo visa discutir o mérito de uma condenação, quando a votação contrária
ao réu teve votação apertada, como neste caso específico. E esses recursos
somente podem ser impetrados a partir da publicação do acórdão. A tendência é
que o Supremo publique esse documento somente em fevereiro ou março de 2013.
Votaram a favor da cassação do
mandato o presidente do STF e relator do mensalão, Joaquim Barbosa, e os
ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Celso de Mello. Este
último somente se pronunciou sobre o tema nesta segunda-feira, apesar de ter
seu voto pronto há aproximadamente duas semanas. Votaram contra a cassação de
mandato, os ministros Rosa Webber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e o revisor
Ricardo Lewandowski.
A discussão toda esteve relacionada à
interpretação do artigo 55 da Constituição, que trata de cassação de mandato.
Segundo o inciso VI, desse artigo, o parlamentar é passível de cassação de
mandato em caso de condenação criminal transitada em julgado. Mas, nesse caso
específico, os ministros entenderam que cabe a aplicação do parágrafo 3º do
artigo 55. Ou seja, em caso de condenação criminal, o ato da Câmara é meramente
declaratório.
Os ministros que votaram a favor da
cassação de mandato entenderam que também se aplica o artigos 15 e 37 da
Constituição, que tratam da suspensão dos direitos políticos. Segundo estes
ministros, haveria uma incoerência formal deputados serem condenados à
suspensão de direitos políticos por terem sido condenados em crimes como
corrupção passiva e lavagem de dinheiro e ainda assim manter o seu mandato parlamentar.
O ministro Celso de Mello, por
exemplo, chegou a defender em 1995 que essa prerrogativa fosse da Câmara, mas
admitiu na sessão desta segunda-feira que o caso julgado nos anos 1990 não se
aplicava o artigo 55 da Constituição, pois se tratava de “situações em que não
se registrava a privação da liberdade”. Para Celso de Mello, a cassação pelo
Supremo somente pode ser aplicada com apoio do artigo 92 do Código Penal. De
acordo com a lei penal, no inciso I, é efeito condenatório a crime com pena superior
a quatro anos “a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo”.
“A perda do mandato estabelecida em
decisão judicial fundamentada resultará na suspensão dos direitos políticos
causada diretamente pela condenação criminal do congressista transitada em
julgado, cabendo à Casa Legislativa meramente declarar esse fato da perda de
mandato, com base no artigo 55 da Constituição Federal”, afirmou o ministro
Celso de Mello. Os ministros que votaram contra a cassação de mandato
entenderam que esse é um ato político e que deveria ter o aval da Câmara.
Desde a semana passada, o
presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), afirma que não pretende cumprir a
decisão do Supremo , pois ele acredita que essa prerrogativa é da casa. “A
lei é clara: cassação de mandados de parlamentar só pelo Congresso Nacional. É
a Câmara ou Senado quem decide. Os constituintes originários colocaram lá esse
artigo para garantir a imunidade parlamentar e dar ao Legislativo a
prerrogativa de cassar. Se a decisão do Supremo for pela cassação o tema será
colocado em exame na Mesa. Mas a Câmara não vai cumprir e recorrerá ao próprio
STF”, disse Maia ao iG .
Outros parlamentares endossaram as
declarações do presidente da Câmara e até o presidente do PT, Rui Falcão,
também se manifestou contrário à decisão do Supremo de cassar automaticamente o
mandato de parlamentares durante o encontro da cúpula do partido. “Essa é uma
decisão da Câmara”.
Esse tipo de declaração mereceu
críticas do próprio Celso de Mello na sessão desta segunda-feira. Mello classificou
como irresponsáveis e disse que o espírito de corporativismo e solidariedade da
casa não pode justificar atos inaceitáveis, sendo passível que o presidente da
Câmara responda por ato de improbidade administrativa ou crime de prevaricação
por eventual descumprimento de decisão judicial.
“Inadmissível o comportamento de quem
demonstrando não possuir o necessário senso de institucionalidade proclama que
não cumprirá uma decisão transitada em julgado emanada do órgão judiciário”,
disse o ministro. “Às partes interessadas, ninguém ignora, sempre poderão
valer-se dos meios processuais destinados a provocar o reexame da matéria”,
complementou. “Não se pode minimizar a função do STF em matéria constitucional,
trata-se de decisões aqueu concretizam o próprio texto da constituição.”, disse
em seguida.
Outros congressistas também
declararam que não devem cumprir a decisão do Supremo. Mas na prática, essa
problemática relacionada ao cumprimento ou não de uma decisão do Supremo caberá
ao novo presidente da casa, provavelmente o líder do PMDB, Henrique Eduardo
Alves (RN). O novo presidente toma posse no dia 2 de fevereiro de 2013.
Os deputados federais João Paulo
Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry (PP-MT) tiveram penas que variam de 7
a 9 anos. Cunha foi condenado a 9 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de
peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro; Costa Neto (PR-SP), a 7 anos
e 10 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e Pedro Henry (PP-MT), a
7 anos e 2 meses.
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