Faleceu em Arcoverde PE, Candeeiro o último cangaceiro vivo do bando de Lampião
Pesquisadora
da Fundação Joaquim Nabuco
O
banditismo parece ser um fenômeno universal. É difícil encontrar um povo no
mundo que não teve (ou tenha) bandidos: indivíduos frios, calculistas,
insensíveis à violência e à morte. Sem entrar no mérito das atrocidades
cometidas pelos colonizadores portugueses, que escravizaram os negros
africanos e quase exterminaram os índios nativos do país, a região Nordeste do Brasil vivenciou um período de quase meio século de violência,
especialmente no final da década de 1870, após a grande seca de 1877.
O
monopólio da terra e o trabalho servil, heranças das capitanias hereditárias,
sempre mantiveram o empobrecimento da população e impediram o desenvolvimento
do Nordeste, apesar do empenho de Joaquim Nabuco e da abolição da escravatura. As pessoas continuam sendo relegadas à
condição de objetos, cujo maior dever é servir aos donos de terras.
Enquanto o
capitalismo avançava nos grandes centros urbanos, no meio rural persistia o
atraso da grande
propriedade: a presença do latifúndio
semifeudal, elemento dominador que, da monarquia à república, se mantém
intocável em seus privilégios. Os problemas das famílias abastadas são
resolvidos entre si, sem a intervenção do poder do Estado, mas com a
substantiva ajuda de seus fiéis subordinados: policiais, delegados, juízes e
políticos.
No final
do século XIX, os engenhos são tragados pelas usinas, porém as relações
pré-capitalistas de produção se conservam: os trabalhadores rurais se tornam
meros semi-servos. E o dono da terra - o chamado "coronel" -
representa o legítimo árbitro social, mandando em todos (do padre à força
policial), com o apoio integral da máquina do Estado. Contrariar o coronel,
portanto, é algo a que ninguém se atreve.
É
importante registrar também a presença dos jagunços, ou capangas dos
"coronéis", aqueles assalariados que trabalham como vaqueiros,
agricultores ou mesmo assassinos, defendendo com unhas e dentes os interesses
do patrão, de sua família e de sua propriedade.
Diante das
relações semifeudais de produção, da fragilidade das instituições
responsáveis pela ordem, lei e justiça, e da ocorrência de grandes injustiças
- homicídios de familiares, violências sexuais, roubo de gado e de terras,
além de secas periódicas que vêm agravar a fome, o analfabetismo e a pobreza
extrema, os sertanejos buscaram fazer justiça com as próprias mãos, gerando,
como forma de defesa, um fenômeno social que propagava vinganças e mais
violências: o cangaço.
Fora o
cangaço, dois outros elementos que surgem nos sertões nordestinos são o
fanatismo religioso e o messianismo, a exemplo de Canudos (na Bahia)
com Antonio Conselheiro; de Caldeirão (na chapada do Araripe, município do Crato, no Ceará)
com o Beato Lourenço; e dos seus remanescentes em Pau de Colher, na Bahia. O
cangaço, o fanatismo religioso e o messianismo são episódios marcantes da
guerra civil nordestina: representam alternativas através das quais a
população regional pode retaliar os danos sofridos, garantir um lugar no céu,
alimentar o seu espírito de aventura e/ou conseguir um dinheiro fácil.
A
expressão cangaço está relacionada à palavra canga ou cangalho: uma junta de
madeira que une os bois para o trabalho. Assim como os bois carregam as
cangas para otimizar o labor, os homens que levam os rifles nas costas são
chamados de cangaceiros.
O cangaço nasceu no século XVIII,
lapso de tempo em que o sertão não havia sido ainda desbravado. Já naquela
época, o cangaceiro Jesuíno
Brilhante (vulgo Cabeleira) atacou o Recife, mas foi preso e enforcado. De Ribeira do Navio, no Estado de Pernambuco, surgiram, também, os cangaceiros Cassemiro Honório e Márcula. Essa atividade se tornou uma profissão lucrativa, tendo surgido, então, alguns grupos que roubavam e matavam nas caatingas, a exemplo de Zé Pereira e os irmãos Porcino; e Sebastião Pereira e Antônio Quelé. No começo da história, eles representavam grupos de homens armados a serviço dos poderosos coronéis.
Em 1897,
surge o primeiro cangaceiro importante: Antônio Silvino. Com fama de bandido cavalheiresco, que respeita e ajuda muitos, ele
atua, durante 17 anos, nos sertões de Alagoas, Pernambuco e Paraíba. É preso
pela polícia pernambucana em 1914. Um outro cangaceiro famoso é Sebastião
Pereira (chamado de Sinhô Pereira), que forma o seu bando em 1916. No começo
do século XX, frente ao poder dos coronéis e à ausência de justiça e do
cumprimento da lei, tais indivíduos entram no cangaço com o propósito de
vingar a honra de suas famílias.
Para
combater esse novo fenômeno social, o Poder Público cria as
"volantes". Nestas forças policiais, os seus integrantes se
disfarçavam de cangaceiros, tentando descobrir os seus esconderijos. Logo,
ficava bem difícil saber ao certo quem era quem. Do ponto de vista dos
cangaceiros, eles eram, simplesmente, os "macacos". E tais
"macacos" atuavam com mais ferocidade do que os próprios cangaceiros,
criando um clima de grande violência em todo o sertão nordestino.
Por outro
lado, a polícia chama de coiteiros todas as pessoas que, de alguma
forma, ajudam os cangaceiros. Os residentes no interior do sertão -
moradores, vaqueiros e criadores, por exemplo - se inserem, também, dentro
dessa categoria.
Sob ordens
superiores, as volantes passam a atuar como verdadeiros "esquadrões da
morte", surrando, torturando, sangrando e/ou matando coiteirose bandidos. Se os cangaceiros, portanto, ao empregar a violência, agem
completamente fora da lei, as volantes o fazem com o apoio total da lei.
Nesse
contexto, surge a figura do Padre Cícero Romão Batista, apelidado pelos fanáticos de Santo de Juazeiro, que nele vêem o poder de realizar milagres e, sobretudo, uma figura
divina. Endeusado nas zonas rurais nordestinas, o Padre Cícero concilia interesses
antagônicos e amortece os conflitos entre as classes sociais. Em meio a crendices e superstições, os milagres - muitas vezes, resumidos a simples conselhos de higiene
ou procedimentos diante da subnutrição - atraem grandes romarias para Juazeiro, ainda mais porque os seus conselhos são
gratuitos. O Santo de
Juazeiro, contudo, a despeito de ser um bom
conciliador e uma figura querida entre os cangaceiros, utiliza a sua
influência religiosa para agir em favor dos "coronéis",
desculpando-os pelas violências e injustiças cometidas.
Em meio a
essa turbulência, surge o mais importante de todos os cangaceiros e quem mais
tempo resiste (cerca de vinte anos) ao cerco policial: Virgulino Ferreira da
Silva, o Lampião, também chamado rei do cangaço e governador do sertão. Os membros do seu bando usam cabelos compridos, lenço em volta do
pescoço, grande quantidade de jóias e um perfume exagerado. Seus nomes e alcunhas
são os seguintes: Antônio Pereira, Antônio Marinheiro, Ananias, Alagoano,
Andorinha, Amoredo, Ângelo Roque, Beleza, Beija-Flor, Bom de Veras, Cícero da
Costa, Cajueiro, Cigano, Cravo Roxo, Cavanhaque, Chumbinho, Cambaio,
Criança, Corisco, Delicadeza, Damião, Ezequiel Português, Fogueira Jararaca, Juriti,
Luís Pedro, Linguarudo, Lagartixa, Moreno, Moita Braba, Mormaço, Ponto Fino,
Porqueira, Pintado, Sete Léguas, Sabino, Trovão, Zé Baiano, Zé Venâncio,
entre outros.
A partir
de 1930, a mulher é inserida no cangaço. Tudo começa com Maria Bonita, companheira de Lampião, e depois vêm outras. Muito embora não
entrassem diretamente nos combates, as mulheres são preciosas colaboradoras,
participando de forma indireta das brigadas e/ou empreitadas mais perigosas,
cuidando dos feridos, cozinhando, lavando, e, principalmente, dando amor aos
cangaceiros. Elas sempre portam armas de cano curto (do tipo Mauser) e, em caso de defesa pessoal, estão prontas para atirar.
Seja
representando um porto seguro, ou funcionando como um ponto de apoio
importante para se implorar clemência, as representantes do sexo feminino
contribuem muito para acalmar e humanizar os cangaceiros, além de
aumentar-lhes o nível de cautela e limitar os excessos de desmandos. As
cangaceiras mais famosas do bando de Lampião, juntamente com os seus
companheiros, são: Dadá (Corisco), Inacinha (Galo), Sebastiana (Moita Brava),
Cila (José Sereno), Maria (Labareda), Lídia, (José Baiano) e Neném (Luís
Pedro).
Como as
demais sertanejas nordestinas, as mulheres recebem a proteção paternalista
dos seus companheiros, mas o seu cotidiano é mesmo bem difícil. Levar a termo
as gestações, por exemplo, no desconforto da caatinga, significa muito
sofrimento para elas. Às vezes, precisavam andar várias léguas, logo após o
parto, para fugir das volantes. E caso não possuíssem uma resistência física
incomum, não conseguiriam sobreviver.
Em
decorrência da instabilidade e dos inúmeros problemas da vida no cangaço, os
homens não permitem a presença de crianças no bando. Assim que seus filhos
nascem, são entregues a parentes não engajados no cangaço, ou deixados com as
famílias de padres, coronéis, juízes, militares, fazendeiros.
Vale
ressaltar que um fator decisivo para o extermínio do bando de Lampião é o uso
da metralhadora, que os cangaceiros tentam comprar, mas não obtêm sucesso. No
dia 28 de julho de 1938, Lampião é atacado de surpresa na grota de
Angico, local que sempre julgou como o mais seguro de todos. O rei do
cangaço, Maria Bonita, e alguns cangaceiros são mortos rapidamente. O resto
do bando consegue fugir para a caatinga. Com Lampião, morre também o
personagem histórico mais famoso da cultura popular brasileira.
Em
Angicos, os mortos são decapitados pela volante e as cabeças são exibidas em
vários estados do Nordeste e sul do País. Posteriormente, ficam expostas no
Museu Nina Rodrigues, em Salvador, por cerca de 30 anos. Apesar de muitos
protestos, no sentido de enterrar os restos mortais mumificados, o diretor do
Museu - Estácio de Lima - é contra o sepultamento.
Após a
morte de Lampião, Corisco tenta assumir durante dois anos o lugar de chefe
dos cangaceiros. A sua inteligência e competência, porém, estão longe de se
comparar àquelas de Virgulino.
No dia 23
de março de 1940, a volante Zé Rufino combate o bando. Dadá é
gravemente ferida no pé direito; Corisco leva um tiro nas costas, que lhe
atinge a barriga, deixando os intestinos à mostra. O casal é transportado,
então, para o hospital de Ventura. Devido à gangrena, Dadá (Sérgia Maria da
Conceição) sofre uma amputação alta da perna direita, mas Corisco (Cristino
Gomes da Silva Cleto) não resiste aos ferimentos, vindo a falecer no mesmo
dia.
O fiel
amigo de Lampião é enterrado no dia 23 de março de 1940, no cemitério da
cidade Miguel Calmon, na Bahia. Dez dias após o sepultamento, o seu cadáver
foi exumado: decepam-lhe a cabeça e o braço direito e expõem essas partes,
também, no Museu Nina Rodrigues.
Naquela
época, o cangaço já se encontra em plena decadência e, com Lampião, morre
também a última liderança desse fenômeno social. Os cangaceiros que vão
presos e cumprem pena conseguem se reintegrar no meio social. Alguns deles
são: José Alves de Matos (Vinte e Cinco), Ângelo Roque da Silva (Labareda),
Vítor Rodrigues (Criança), Isaías Vieira (Zabelê), Antônio dos Santos (Volta
Seca), João Marques Correia (Barreiras), Antônio Luís Tavares (Asa Branca),
Manuel Dantas (Candeeiro), Antenor José de Lima (Beija-Flor), e outros.
Após
décadas de protestos, por parte das famílias de Lampião, Maria Bonita e
Corisco, no dia 6 de fevereiro de 1969, por ordem do governador Luís Viana
Filho, e obedecendo ao código penal brasileiro que impõe o devido respeito
aos mortos, as cabeças de Lampião e Maria Bonita são sepultadas no cemitério
da Quinta dos Lázaros, em Salvador. Em 13 de fevereiro, do mesmo
ano, o governador autoriza, ainda, o sepultamento da cabeça e do braço de
Corisco, e das cabeças de Canjica, Zabelê, Azulão e Marinheiro.
Por fim,
registram-se informações sobre alguns ex-cangaceiros que retornam ao convívio
social. Tendo fugido para São Paulo, depois do combate na grota de Angico,
Criança adquire casa própria e mercearia naquela cidade, casa-se com Ana
Caetana de Lima e tem três filhos: Adenilse, Adenilson e Vicentina.
Zabelê
volta para o roçado, assim como Beija-Flor. Eles continuam pobres,
analfabetos e desassistidos. Candeeiro segue o mesmo rumo, mas consegue se
alfabetizar.
Vinte e
Cinco vai trabalhar como funcionário do Tribunal Eleitoral de Maceió, casa
com a enfermeira Maria de Silva Matos e tem três filhas: Dalma, Dilma e
Débora.
Volta Seca
passa muito tempo preso na penitenciária da Feira de Curtume, na Bahia. É
condenado, inicialmente, a uma pena de 145 anos, depois comutada para 30
anos. Através do indulto do presidente Getúlio Vargas, porém, em 1954, ele
cumpre uma pena de 20 anos. Volta Seca se casa, tem sete filhos e é admitido
como guarda-freios na Estrada de Ferro Leopoldina.
Conhecido
também como Anjo Roque, Labareda consegue se empregar no Conselho Penitenciário de Salvador,
casa e tem nove filhos.
E,
intrigante como possa parecer, o ex-cangaceiro Saracura torna-se funcionário
de dois museus, o Nina Rodrigues e o de Antropologia Criminal, os mesmos que
expuseram as cabeças mumificadas dos velhos companheiros de lutas.
Bando de Lampião após o ataque da volante em Angicos
Fonte Fundação Joaquim Nabuco
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+ Manoel Dantas Loiola - Candeeiros - 97 anos
Último cangaceiro do bando de Lampião morre em Arcoverde
Morreu nesta quarta-feira o último cangaceiro do bando de Lampião,
Manoel Dantas Loiola, de 97 anos, mais conhecido como Candeeiro. Ele faleceu na
madrugada de hoje no Hospital Memorial de Arcoverde onde estava internado desde
a semana passada, após sofrer um derrame. O sepultamento está marcado para as
16h, no cemitério da cidade de Buíque.
Pernambucano de Buíque (a 258 quilômetros do Recife), Manoel ingressou
no bando de Lampião em 1937, mas afirmava que foi por acidente. Trabalhava em
uma fazenda em Alagoas quando um grupo de homens ligados ao famoso bandido
chegou ao local. Pouco tempo depois, a propriedade ficou cercada por uma
volante e ele preferiu seguir com os bandidos para não ser morto.
No final da vida, atuava como comerciante aposentado na vila São
Domingos, distrito de sua cidade natal. Atendia pelo nome de batismo, Manoel
Dantas Loyola, ou por outro apelido: seu Né. No primeiro combate com os
“macacos”, quando era chamado de Candeeiro, foi ferido na coxa. O buraco de
bala foi fechado com farinha peneirada e pimenta.
Teve o primeiro encontro com o chefe na beira do Rio São Francisco, no
lado sergipano. “Lampião não gostava de estar no meio dos cangaceiros, ficava
isolado. E ele já sabia que estava baleado. Quando soube que eu era de Buíque,
comentou, em entrevista concedida ao Diario: ‘sua cidade me deu um homem
valente, Jararaca’”.
Candeeiro dizia que, nos quase dois anos que ficou no bando, tinha a
função de entregar as cartas escritas por Lampião exigindo dinheiro de grandes
fazendeiros e comerciantes. Sempre retornava com o pedido atendido. Ele
destacou que teve acesso direto ao chefe, chegando a despertar ciúme de Maria
Bonita. Em Angicos, comentou que o local não era seguro. Lampião, segundo ele,
reuniria os grupos para comunicar que deixaria o cangaço. Estava cansado e
preocupado com o fato de que as volantes se deslocavam mais rápido, por causa
das estradas, e tinham armamento pesado.
No dia do ataque, já estava acordado e se preparava para urinar quando
começou o tiroteio. “Desci atirando, foi bala como o diabo”. Mesmo ferido no
braço direito, conseguiu escapar do cerco. Dias depois, com a promessa de ser
não ser morto, entregou-se em Jeremoabo, na Bahia, com o braço na tipóia. Com
ele, mais 16 cangaceiros. Cumprindo dois anos na prisão, o Candeeiro dava
novamente lugar ao cidadão Manoel Dantas Loiola. Sobre a época do cangaço,
costumava dizer que foi “história de sofrimento”.
Fonte Blog Marcelo Santa Cruz
Fonte Blog Marcelo Santa Cruz
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