Transposição inicia teste em canal, mas Sertão ainda não recebe água
Testes começaram quatro anos após o prazo inicial para conclusão da obra.
Com atraso, previsão para término é final de 2015, com custo de R$ 8,2 bi.
As obras de Transposição do Rio São Francisco estão no sétimo ano de execução e o primeiro trecho do projeto entrou em fase de testes. Desde outubro deste ano, a estação de bombeamento 1 do Eixo Leste, em Floresta, no Sertão de Pernambuco, bombeia água da Barragem de Itaparica até a Barragem de Areias, a primeira das 27 previstas na região. Apesar disso, a população do entorno da obra ainda não tem acesso à água que corre pelo canal.
Veja a galeria de fotos da obra.
Números da transposição do Rio São Francisco | |
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R$ 8,2 bilhões | É o custo total da obra. A estimativa inicial era de R$ 4,8 bilhões |
Dezembro de 2015 | É a nova previsão para conclusão |
2007 | É o ano em que a obra começou |
23 | É a quantidade de açudes que devem ser recuperados |
27 | É o número de barragens que devem ser construídas |
Fonte: Ministério da Integração |
Os testes começaram quatro anos após o prazo inicial de conclusão da obra. Iniciada em 2007, a construção do Eixo Leste deveria ter ficado pronta em 2010, e a do Eixo Norte em 2012. Além de atrasos, as alterações no projeto aumentaram os custos. O orçamento passou de R$ 4,8 bilhões para R$ 8,2 bilhões e agora, segundo o Ministério da Integração Nacional (MI), a Transposição só deve ser finalizada em dezembro de 2015. O G1 percorreu 2,5 mil quilômetros, visitando dez municípios do interior de Pernambuco, da Paraíba e do Ceará para acompanhar o andamento das obras, que chegam a 67,5% de conclusão.
O Ministério da Integração explicou que os testes devem seguir até o fim deste ano. Nessa fase, são feitos os ajustes das motobombas da estação e do próprio lago da Barragem de Areias. Após a conclusão, serão instalados sistemas que levarão água, primeiramente, a cerca de 300 famílias que vivem em comunidades dos municípios de Petrolândia e Floresta, próximas à barragem.
Os canais que saem do São Francisco somam, juntos, 477 quilômetros. A obra, segundo o Ministério da Integração, vai levar água a cerca de 12 milhões de pessoas em Pernambuco, na Paraíba, no Ceará e Rio Grande do Norte. A previsão é atingir mais de 390 municípios no Sertão, além de 325 comunidades que residem a uma distância de cinco quilômetros da margem dos canais.
Em 2012, as obras foram praticamente paralisadas devido a problemas com as construtoras e desentendimentos sobre valores de contratos. De acordo com o MI, o detalhamento do projeto básico da Transposição acabou apresentando novos serviços necessários à conclusão da obra, como perfuração de solos com constituição mais dura do que o previsto. Isso também interferiu no orçamento, assim como em novas exigências do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que representam quase R$ 1 bilhão a mais nos custos, valor não previsto inicialmente.
Os recursos são empregados essencialmente em escavações e construção de barragens, túneis, estações de bombeamento e canais por onde nunca correu uma gota de água. Em setembro de 2013, foi assinada a ordem de serviço das obras complementares da Meta 3 Norte, a última frente de serviço a ser retomada após a paralisação. A meta compreende os trechos que passam por Mauriti, no Ceará, e São José de Piranhas, na Paraíba. Com isso, todos as metas estão em obras.
Ao todo, são cerca de 11 mil funcionários atuando na obra atualmente. O G1 percorreu as cidades de Sertânia, Custódia, Floresta, Salgueiro e Cabrobó, em Pernambuco; Monteiro e São José de Piranhas, na Paraíba; além de Jati, Mauriti e Brejo Santo, no Ceará. Em todas elas era possível ver trechos terminados e, quando não, trabalhadores em áreas próximas.
Apesar de estar aparentemente em curso, em Sertânia, no Sertão de Pernambuco, a reportagem encontrou um ponto da obra onde não há sinal de trabalhadores. Apenas um vigia toma conta da entrada do canteiro de obras da estação de bombeamento 6 (EBV6), uma das seis previstas para o Eixo Leste, que começa em Floresta, na mesma região, e vai até Monteiro, na Paraíba, de onde as águas seguem por gravidade pelos rios e não mais por canais.
O mato toma conta do espaço e é possível ver caixas com inscrições do Ministério da Integração. Há peças de um pórtico rolante, equipamento e objetos pesados, como as bombas da estação. Algumas lonas rasgadas deixam os equipamentos expostos. São ao menos dois anos sem trabalho no local.
A explicação dada pelo Ministério da Integração é que as obras seguem em ritmo mais acelerado onde estão mais próximas da água. Como faz parte do trecho final, a EBV6, assim como a EBV5, ainda está paralisada e deve ser retomada no primeiro trimestre de 2015. As três primeiras estações de bombeamento já estão em execução, sendo a EBV1, em Floresta, em fase de testes.
O Eixo Norte, que vai de Cabrobó, no Sertão de Pernambuco, até Cajazeiras, no Ceará, conta com três estações de bombeamento ao longo do percurso. Juntos, os dois eixos da Transposição vão contar com 27 reservatórios construídos, além de 23 açudes que devem ser reformados para também integrar o sistema hídrico. Ainda há quatro túneis, sendo que Cuncas I está em fase de acabamento e Cuncas II já foi concluído.
O Eixo Norte, que vai de Cabrobó, no Sertão de Pernambuco, até Cajazeiras, no Ceará, conta com três estações de bombeamento ao longo do percurso. Juntos, os dois eixos da Transposição vão contar com 27 reservatórios construídos, além de 23 açudes que devem ser reformados para também integrar o sistema hídrico. Ainda há quatro túneis, sendo que Cuncas I está em fase de acabamento e Cuncas II já foi concluído.
Para cumprir os prazos, alguns trechos, especialmente no Eixo Norte, contam com turnos de trabalho inclusive durante a noite, como é o caso da Barragem de Porcos, em Brejo Santo. Os serviços de concretagem são geralmente deixados para a noite, para evitar problemas e rachaduras, uma vez que o sol intenso altera o tempo de cura do concreto.
O Eixo Norte é também o que conta com mais reservatórios previstos no projeto: são 16, enquanto no Leste são 11 barragens, que devem ser construídas até o fim de 2015. Na região de Jati e Brejo Santo, os seis reservatórios são tão próximos que quase não se vê canais. Funcionários de diversas partes do país que se revezam nas obras da região.
O túnel de Monteiro, que fica entre a cidade paraibana e Sertânia (PE), é um dos que segue em ritmo intenso de obra. Com 3 quilômetros de extensão, a rocha está sendo perfurada em um ritmo de dois a quatro metros por dia, de acordo com o tipo de material encontrado. Próximo, em Sertânia, a Barragem de Barro Branco ergue seu vertedouro e vai acertando o terreno, já desmatado.
Quando ocorreu a paralisação das obras, os sertanejos chegaram a temer que a Transposição não fosse concluída. Com o atual ritmo, pessoas como o comerciante Mauro Barbosa esperam que secas extensas não sacrifiquem tanto a população. "Gastar o que se gasta com carro-pipa... É melhor uma obra dessas mesmo. Tem muita gente precisando. Tendo água, tem comida", acredita Barbosa, morador de Monteiro.
Também morador da cidade paraibana, o mototaxista Geneci Batista trocou o sítio pela cidade há 20 anos, para fugir da estiagem, mas é cético quanto à transposição. "Só vou acreditar quando sair mesmo a obra. Se chegar mesmo água aqui, o Nordeste vai virar Sul. Vai ser muito bom para a gente aqui, o povo só não trabalha porque não tem água", afirma.
Apesar de o Ministério da Integração afirmar que a Transposição não afeta a saúde do rio, moradores do entorno da obra seguem preocupados. A gestora da escola pública municipal da Agrovila 6, em Floresta, Rosângela de Souza, teme pelo futuro do curso d'água, especialmente devido à seca prolongada. "A gente vê a situação do Rio São Francisco ir se agravando, fica muito preocupado. Como ele vai aguentar dar água para tanta gente se está ficando seco aqui? Se estivesse chovendo, tudo bem", avalia.
Preocupação semelhante tem a auxiliar de cozinha da escola, Marizete Isidoro. Moradora da Agrovila 6 há quase 30 anos, ela conta que o problema de água da comunidade foi resolvido com poços furados pelo Exército. "Fazer tanto poço assim pode não ser bom. Se não chover, como vai ter água no lençol freático? Vai ficar todo mundo sem água do mesmo jeito. O Rio São Francisco só está de pé por causa dos afluentes, mas a seca está grande, a gente se preocupa", conta.
O engenheiro agrônomo João Suassuna é especialista em convivência com o Semiárido e há 20 anos estuda o Rio São Francisco como pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Para ele, a população tem razão em ficar preocupada com a Transposição. "O São Francisco não vai ter volume para atender tudo isso que estão querendo fazer com ele. Esse é o caminho mais curto para terminar de exaurir o rio", opina.
Preocupação semelhante tem a auxiliar de cozinha da escola, Marizete Isidoro. Moradora da Agrovila 6 há quase 30 anos, ela conta que o problema de água da comunidade foi resolvido com poços furados pelo Exército. "Fazer tanto poço assim pode não ser bom. Se não chover, como vai ter água no lençol freático? Vai ficar todo mundo sem água do mesmo jeito. O Rio São Francisco só está de pé por causa dos afluentes, mas a seca está grande, a gente se preocupa", conta.
O engenheiro agrônomo João Suassuna é especialista em convivência com o Semiárido e há 20 anos estuda o Rio São Francisco como pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Para ele, a população tem razão em ficar preocupada com a Transposição. "O São Francisco não vai ter volume para atender tudo isso que estão querendo fazer com ele. Esse é o caminho mais curto para terminar de exaurir o rio", opina.
Suassuna explica que o rio é de múltiplos usos. "Cerca de 95% da energia no Nordeste são provenientes dele. Existe uma área irrigável importante, de um milhão de hectares, na beira do rio, dos quais 340 mil hectares já estão irrigados e levam um volume importante das águas. Já está havendo um conflito enorme entre gerar energia e irrigar", argumenta.
"A nascente do Rio São Francisco [em Minas Gerais] chegou a secar. Em regiões como Pirapora, São Francisco e Januária, o rio está praticamente seco. Já há uma limitação de volumes séria e você querer tirar mais volume para abastecer 12 milhões de pessoas e ainda irrigar 300 mil hectares? Isso é fisicamente impossível", sentencia.
Para ele, cabe aos técnicos fazer com que essa água tenha um bom uso no futuro. "Uma equipe de hidrólogos tem que cair em campo para avaliar as reais necessidades hídricas. O que tem de informação sobre volumes circulando hoje é chute. Eles precisam determinar um número real a partir do qual quem tiver gerenciando essa 'torneira' do São Francisco vai ter que obedecer", sugere. Suassuna também defende que abastecimento de água passe a ser considerado assunto de segurança nacional. "Tem que ser entregue à Polícia Federal [esse controle], não pode ter interferência política nesse tipo de decisão", disse.
Nesta fase de testes, são bombeados 5 m³/s de água, no Eixo Leste, pela EB1, em aproximadamente oito horas por dia. A capacidade máxima de cada uma das duas bombas da EB1 é de 14 m³/s, mas a vazão média prevista é de 10m³/s para o Eixo Leste e 16,4 m³/s para o Eixo Norte, o que representa 1,4% da vazão média do rio.
Quando o nível do rio está mais baixo, esse volume de água bombeada pode ser reduzido, ou até mesmo as bombas serem desligadas. O último relatório da Agência Nacional de Águas aponta para uma vazão de água do Rio São Francisco a partir da Usina Hidroelétrica de Sobradinho de cerca de 1.100 m³/s, mas o nível da barragem não chega a 20% atualmente.
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